Pais e alunos não valorizam as provas de aferição
Pais e alunos não valorizam as provas de aferição (dn.pt)
Dos 95 408 alunos inscritos, 11 897 faltaram à prova de Português do 8.º ano, no dia 3 de junho, tendo a taxa de presenças sido de 87,5%, segundo dados oficiais do Júri Nacional de Exames (JNE). O cenário voltou a repetir-se no dia seguinte, na prova de Matemática e Ciências Naturais (5.º ano). Dos 89 029 alunos inscritos, 11 107 não compareceram. Em ambas as provas, do 8.º e 5.º ano, faltaram 12,5% dos estudantes. Na prova de Inglês, de 8.º ano, no dia 6, 12 748 alunos não a realizaram, o que corresponde a 12,8% do total de inscritos.
Um número considerado elevado por parte de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), mas que não o surpreende. “Como as provas não contam para a classificação, pais e alunos não dão a importância que merecem ter”, justifica. Para o responsável, as provas só têm peso para “avaliar o sistema educativo, a turma ou a escola”. “Não se vê essa falta de alunos quando é um exame nacional. Deveria haver um valor ponderado, por pequeno que fosse, que contasse para a nota final. Alguns pais dizem mesmo que não deixam os filhos fazer as provas”, conta. Filinto Lima acredita que, “se no futuro houvesse um grau de ponderação para a nota final da disciplina, a percentagem de absentismo seria menor”.
Pedro Ferreira, pai de um aluno de 5.º ano decidiu não levar o filho à escola para fazer a prova de Matemática e justifica a decisão com o nível de stress manifestado pelo filho. “Começou uns dias antes a ter dificuldades para dormir e a gota de água foi quando vomitou ao fazer a ficha de preparação que a professora tinha enviado como trabalho de casa”, avança. Pedro Ferreira diz ter ficado com total perceção de que o filho estava em sofrimento e, sabendo que o resultado não tinha implicações na nota final da disciplina, decidiu que não a faria. “É um excelente aluno, mas nós nunca o pressionamos. Talvez devido à imaturidade própria da idade, não conseguiu gerir a pressão que estava a ser feita por parte da professora”, sustenta.
Já Sílvia Alves, mãe de uma menina de 2.º ano, diz ser “totalmente contra as provas”, embora leve a filha para as fazer. “Sou contra as provas nesta idade. As crianças ainda estão a construir o conhecimento e os dias de provas são dias que eles perdem. Mais tarde, no 4.º ano, seria suficiente para aferir o trabalho de todo o 1.º ciclo e os alunos já teriam mais maturidade”, refere. Sílvia Alves critica ainda o facto de serem realizadas em formato digital “quando os médicos dizem que as crianças passam demasiado tempo expostas a ecrãs”. “Os alunos, nessa idade, devem escrever à mão e trabalhar a caligrafia. Os médicos estão constantemente a pedir para evitarem ecrãs e as escolas fazem o oposto”, sublinha. Contudo, a Encarregada de Educação optou por levar a filha à escola para realizar as provas, mas tem trabalhado a questão do stress em casa. “A Gabriela começou agora a mostrar alguma preocupação com as provas, mas penso que tem a ver com a logística, porque não vai fazer as provas na escola dela, mas na sede do agrupamento. Começamos a sossegá-la. Dizemos-lhe sempre para que dê o seu melhor, mas sem colocar pressão”, conclui.
Filinto Lima também não quer “meninos de 1.º ciclo a fazer provas digitais”. “As crianças estão a aprender a escrever, a trabalhar a caligrafia e nessa fase, não deveriam ser digitais. No 1.º ciclo, deveriam ser feitas em papel e com esferográfica, seria mais prudente”, explica. Contudo, o presidente da ANDAEP não pretende “diabolizar as provas digitais”. “Hoje em dia, podemos acrescentar aos analfabetos aqueles que não têm competências digitais e o digital é o futuro”, conclui.
Filinto Lima lamenta ainda os muitos problemas informáticos que têm surgido no decorrer das provas de aferição. “Estas provas também servem para aferir a qualidade da rede das escolas, que é fraca. É preciso construir os alicerces digitais, ter uma rede fiável, que neste momento não existe”, alerta.
Arlindo Ferreira, diretor do agrupamento de Escolas Cego do Maio e autor do blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação), antevê uma abstenção maior na próxima semana, com o 2.º ano (provas de Português, Matemática e Estudo do Meio), pois “os pais têm mais peso a decisão de levar ou não os filhos à escola”. “Deveriam ter um peso na avaliação do estudante para que os alunos, os professores e os pais possam dar-lhes mais importância. Neste momento, os professores sentem que estão a trabalhar para nada e a sobrecarregar-se para nada”, sublinha.
“Há provas extremamente inibidoras para os alunos”
Paulo Guinote, professor de História e Geografia de Portugal (HGP), de 2.º ciclo, também justifica a abstenção com “a inexistência de ponderação na nota, algo que os próprios alunos, a partir do 5.º ano, já percebem”. “Eles sabem que não servem para nada e então, no 8.º ano, ainda mais”, conta. O docente sublinha ainda a falta de uma nota quantitativa como mais um fator de descrédito das provas. “Os relatórios dos resultados só chegam para as escolas e os professores. Para os alunos, não têm impacto em nada”, acrescenta. O docente vai mais longe e é perentório ao afirmar que, no 2.º ano, “não fazem qualquer sentido”. Nesse ano, não se reprova e as crianças estão numa fase muito inicial da sua aprendizagem”, lembra. Paulo Guinote tem mais uma crítica a fazer sobre as provas de 1.º ciclo, que considera, em algumas disciplinas, inibidoras. “As provas das expressões, por exemplo, são extremamente inibidoras para os miúdos, pois estão a ser logo avaliados e na presença de outras crianças. Para alguns alunos, é traumático”, defende.
Resultados devem ser conhecidos mais cedo
O resultado das provas de aferição de 2023 foram conhecidos apenas em janeiro de 2024. Um atraso que não permitiu às escolas fazer ajustes no programa e na recuperação das aprendizagens. Professores e diretores escolares pedem para que o erro não se repita, de forma a poder auxiliar os alunos nas dificuldades manifestadas. Recorde-se que os resultados das provas de 2023 foram considerados desastrosos. “Os resultados do ano passado foram desastrosos e chegaram tarde, não tendo sido possível auxiliar os alunos. Devem ser conhecidos em setembro, para que os professores possam fazer os ajustes ao nível das turmas. Se fosse em julho, ainda melhor”, pede Filinto Lima.
Arlindo Ferreira também quer os resultados antes do arranque do ano letivo para poder prepará-lo da melhor forma possível para ajudar a recuperar aprendizagens.
Paulo Guinote faz o mesmo pedido e acrescenta que, este ano, deveria haver uma nota quantitativa e não qualitativa”. “Era importante para os alunos e para as famílias para terem a perceção do desempenho”, defende.
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