Perdi os professores

Perdi os professores – David Erlich – SÁBADO (sabado.pt)

Agora, caro leitor, estou em condições de partilhar um número que me impressionou: há pelo menos dez estabelecimentos em que o número de docentes do Quadro de Escola que querem sair é superior a 50.

Estão prestes a sair as listas de colocação do concurso interno de professores.

Não é um processo simples, este do concurso docente, em que cada professor certamente terá momentos em que se sentirá Joseph K.

Tanto o concurso interno, como o externo, visam alocar docentes a vagas permanentes. Enquanto o primeiro abrange docentes já integrados no quadro, o segundo destina-se a docentes ainda não vinculados. Isto é: no concurso interno, candidatos que já são do quadro competem pelas vagas permanentes do sistema ao qual já pertencem; no concurso externo, candidatos ainda não vinculados competem para entrar na carreira (a ordenação no concurso externo gerará, por sua vez, o posicionamento dos docentes para efeitos do concurso de contratação inicial, o primeiro dos procedimentos para preencher as chamadas vagas temporárias mediante contratos anuais).

Ora, há dois tipos de vínculo do docente de carreira ao Ministério de Educação: ou Quadro de Escola ou Quadro de Zona Pedagógica. Os primeiros podem não candidatar-se ao concurso interno e ficar sossegados na escola a que já pertencem.

Agora, caro leitor, estou em condições de partilhar um número que me impressionou: há pelo menos dez estabelecimentos em que o número de docentes do Quadro de Escola que querem sair é superior a 50.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, em declarações ao DN, partilhou que, tão certo como a aproximação à zona de residência ser o principal motivo, o facto de os professores “poderem não estar satisfeitos com aquela comunidade educativa para a qual estão a trabalhar” contribuirá também para esta opção.

Como pode uma comunidade confiar num projeto educativo do qual os professores, seus principais executores, fogem em massa? Como se pode assim fomentar o espírito de equipa? Que significado perpassará – em termos daquilo que em cada instituição se sente mas não se diz – o ambiente de uma escola onde, de junho para setembro, dezenas de professores desaparecem?

Em 2006, a classe docente insurgiu-se contra uma ministra que afirmou: “perdi os professores mas ganhei os pais e a população”. O que parece acontecer em algumas escolas é pior, pois dificilmente as direções escolares que perdem massivamente os professores com quem trabalham terão algum tipo de ganho junto de comunidades educativas assim abandonadas.

Quero ser claro: este não é um texto de defesa do regresso ao velho conselho executivo e à gestão dita “democrática”, mais herdeira de modelos pós-revolucionários do que das melhores práticas de gestão escolar das democracias ocidentais. A figura do Diretor, coadjuvado por uma equipa e eleito por um Conselho Geral com representantes dos vários setores da comunidade escolar, veio para ficar: foi uma reforma introduzida em 2008 e que dura até hoje.

Mas, é sim, este um texto de reflexão sobre a importância de promover Direções escolares que consigam fazer o essencial: proporcionar aos seus professores um ambiente de trabalho seguro, acolhedor, com regras claras, ações ágeis e lideranças próximas.

Tem-se abordado muito – e ainda bem – a necessidade de libertar os professores da burocracia. Mas há que sublinhar: isso deve incluir as Direções Escolares, tantas vezes forçadas a investir mais tempo na inutilidade de relatórios inócuos do que na proficuidade de, no quotidiano, liderar uma escola na prática: dialogando com professores, atendendo famílias, conversando com estudantes, monitorizando os corredores. Nas melhores escolas, nenhum professor se sente ilha isolada – sente-se parte de um arquipélago do qual não quer sair.

Enviar um comentário

Enviar um comentário

Os leitores são responsáveis pelos comentários publicados. Comentários ofensivos ou promocionais serão eliminados.